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3 de jul. de 2007

3 TEXTOS DO JÚLIO MIRAGAIA

Caro Paulo, aqui vão três pequenas colaborações para o blog. Se puderes, comente os textos no meu blog www.vivaocudaanta.blogspot.com


Abraços do Júlio

 O Último Brilho da Fada da Fab
I


O salto alto que trajava era negro e rutilante e do alto do seu encantamento ela podia sentir o vento frio e seco daquela noite. Ao cruzar a esquina, decorada com urina e lodo, como num filme antigo, uma revoada de pássaro-morcegos cruzou os céus a cantar ferozmente, indo à direção contrária ao caminho que ela traçava. Havia um silêncio perturbador, oriundo do vazio inalterável das ruas àquela hora. Passava por aquele caminho vazio, ajeitando o batom, a maquiagem permanecia intacta como também permanecia intacto o estado inalterável daquele céu, daquela rua, daquele nada.




II


Parou de caminhar quando ele apareceu, encostou o velho fusca na esquina e abriu a porta do carona. Ela entrou no carro e sentiu um frio diferente do frio imperiante da noite vindo de baixo pra cima, talvez vindo do seu encontro com a revoada cinza de pássaro-morcegos, que cantavam como um presságio.


III


Mordia os bicos dos seios dela com gana. Ela gemia irresponsavelmente, com o pau grosso e pequeno do homem gordo e barbudo atolado no seu ânus. Seu pau, maior que o do gordo estava em riste. Masturbava-se anestesicamente e o coito era enluarado e absoluto no silêncio imperial de uma noite em que pássaro-morcegos voavam confusos nos céus desertos daquela cidade perdida.



IV


O gozo do gordo alastrava-se por todo o rosto dela que beijava devotadamente o sexo de seu algoz. Com um único golpe, ele acertou a nuca do travesti e o cuspiu pra fora do carro, como num filme antigo. Depois de ter dado dois tiros na cabeça e de molhá-la com gasolina, o gordo barbudo ateou fogo naquele corpo enigmático, que após aquele ato, tornou-se impossível conhecer seu nome. As cinzas do travesti ainda voaram distantes, mas não tão altas quanto o vôo cinza da revoada de pássaro-morcegos, que seguiam a cantar ferozmente, como num filme antigo, ou como num presságio.




Calabouço Equinocial

Por favor, não venha me dizer que você não tem. Não. Não é aquilo que todos podem ter. chamam também de senso. Sim. Porque no começo vocês todos dizem ter. Falso. Odeio a falsidade de vocês que se entranha nesses olhos miudinhos, redondinhos, doidos pra foder. Claro. Egoísmo já é certo, nessa casa eu habito só pra te agradar. Tudo o que você faz é pouco baby, sabia não? Bar, boate e motel não é só você quem me paga. Não sou só tua. Pertenço à lua, pertenço aos astros, meu nome? Adriana, sabia não? Tudo bem.Quando eu sinto esse veneno amargo que você jorra em minha boca eu engulo querido. Isso mesmo, engulo, que foi? Ficou de pau duro? Eu engulo e até sorrio mas não pense que você me agrada. Sorrir pra sobreviver, pra ser vitrine e também pelo hábito. Pra conquistar garotinhos lindos e saborosos que nem você. Se eu gosto de chupar? Chupo, chupo muito e até gosto, mas já te disse, nada me agrada. Agora eu sei que eu, com a tua gala em minha cara te excito. Você gosta de olhos verdes e porra né? Sabe que uma vez eu me olhei no espelho desse jeito e quis chorar? Mas eu não chorei, o velho ainda queria o meu cu. É sempre assim que eu sinto dor. Não. Não garoto, não é por dar o cu. É por pensar em mim assim desse jeito. Eu que vim de tão longe, doida pra voar, servir de vagabunda num calabouço equinocial, não é assim que você chama esse lugar? Você que tá nesse tempo de faculdade, boate, bar e motel provavelmente vai se casar. Com certeza vai virar crente, porque essa terra é cheia de crente e nunca mais vai vir aqui. E mesmo se vier meu bem, não vai me encontrar. Vou estar no Oiapoque, atrás do tal euro, dando pra todos, todos que paguem, é claro. Longe de ti, longe de mim, longe de tudo. Longe de mim já estou faz tempo. Tempo que é longo pra dor, curto pro amor. Que vai me levando por ruas, por chuvas, por ventos e quartos, por homens, sabores. Você não me basta.
Júlio Miragaia

Enquanto Chove Para Jamile



“...pra mim vai ser sempre a rua dos horizontes.
Mas a verdade é que é diabo vermelho”. Carla Nobre

Parecia que ele esperava um abraço, um beijo, um olhar, qualquer reação. Disse pra ela que não se sentia subtraído pelas nuvens do céu ou pelas pequenas gotas que começavam a molhá-los. Não que estivessem desesperados ou calmos, para eles já não havia antagonismos ou dois lados pra seguir ou pra sentir.
- só que agora já não existem dois lados pra seguir.
- Eu nunca gostei de você. Mesmo quando eu te disse que te queria tanto, sabe...
- sei.
- Tem alguma coisa muito confusa no meio disso tudo. Você, eu, você me querendo...
- e você sem me querer. Eu sempre vejo sobre outro ponto de vista, tá tão frio...
- Quer fumar?
- quero.
Por jamais terem encontrado em alguém o que tentavam enxergar um no outro, insistiam que tudo poderia estar certo, que um dia, quem sabe, eles estariam sentados naquele banco, que então estaria idoso como eles, que estariam rindo de tudo o que passou. Pelo caminho, entretanto, havia estradas diferentes pra seguir. Ele talvez naquele momento pensasse que seria então o último adeus, ela talvez pensasse que seria apenas mais um adeus.
- você já foi crente?
- não.
- eu já fui. Estranho eu nunca ter te perguntado. Odeio Ramones.
- adoro Ramones.
- O que é isso branco na tua sobrancelha? (O celular toca)
- caspa. É ele?
- é ele.
- quer ir embora? Eu chamo um táxi.
- vou de pés.
- e essa chuva?
- ela me beija.
- ele me beija?
- não.
Os dois caminharam por entre a chuva que crescia intensamente como dois satélites perdidos no espaço. Ela na frente, ele a seguindo. Havia uma ditadura cruel naquele ambiente quando o ônibus passou veloz ao lado deles e os banhou de lama.
- acabou.
- por você acabou.
- não terminou só pra mim.
- terminou pra mim também?
- Terminou pra você também.
- Eu não te amo.
- Eu também não te amo.
- é como se eu acabasse de ter descoberto, só que eu sempre soube.
- e como é isso?
- isso o que?
- isso de acabar de ter descoberto sempre sabendo.
- como é que eu vou saber? Quer ir lá em casa? A gente se enxuga.
- você tem café?
- solúvel.
- melhor, é mais rápido.
- a gente chama um táxi?
- a gente chama um táxi.
- acho que eu te amo, só que também não te amo, será que você me entende?
- tudo bem.
Como se estivessem em estradas ou em oceanos diferentes, só que ouvindo a mesma canção, eles seguiram. Seguiram pelo resto de suas vidas confusos e absolutamente decididos. Convictos que quanto mais próximos estavam um do outro, mais solitários se sentiam. Só que agora já não existiam dois lados pra seguir, e um precisava do outro porque já não havia escolhas pra fazer. E essa história foi imitada por todos que habitavam naquele planeta, onde chovia da mesma maneira todos os dias. Pra sempre.


julio.miragaia@hotmail.com

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http://vivaocudaanta.blogspot.com/


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