Entre Castanheiras e
Livros
(ou de como gosto de
livros!)
Nas minhas
viagens, lá pelo Rio Iratapuru, no vale do Jari, encontrei com velhos
castanheiros. E neles estranhei uma atitude. Incentivados pelo Governo de João
Alberto Capiberibe, na década de 1990, eles estavam não mais somente coletando
as castanhas do Brasil. Começavam a plantar essas sementes. Aí pensei com a
mente viciada em cidade e na vida urbano-industrial: como alguém com seus 60
anos ou mais resolve plantar uma castanheira? Sabemos que essa espécie começará
a dar os primeiros frutos, próximo de seus 20 anos. Ou seja, raciocínio da
pressa e dos nossos imediatismos, de quem corre contra o tempo do relógio, quem
planta nessa idade não colherá os frutos! De fato, é isso mesmo! Mas o que nos
foge a compreensão é o fato de quem faz assim, não é pra si mesmo, mas para os
seus, os que virão depois. É como uma poupança
intergerações.
Mas estamos falando de livros, de leitores e de autores. Dos castanheiros
voltarei mais adiante a falar deles. Bom, dos livros e das leituras, tenho a
dizer que numa feira de livros, os livros são as estrelas principais. Para
tanto, vem a pergunta de nossas “primeiras vezes”. Quem não se lembra do
primeiro amor? Quem se esqueceu do primeiro beijo? Pois bem, eu lembro! Mas
também, lembro-me dos meus primeiros livros. A minha história com a leitura
começa quando eu não sabia ler. Éramos uma família bastante pobre. Televisão não
havia em casa. A emoção ficava por conta das leituras que minha mãe fazia. Umas
histórias ela lia. Como não havia tantos livros, outras ela fazia de conta que
lia. Hoje sei que ela inventava personagens e enredos, mesmo que olhando para
livros repetidos. O primeiro livro escutado: “No País dos Anões”. Ele tinha capa
dura com a gravura de um menino, um cão e letras coloridas. Escutar a história
mais de uma vez não perdia o encanto.
Como prêmio de aluno mais aplicado, existia isso na minha escola, ganhei da
professora Maria do Carmo, na quarta série, um livro: “Maravilhas do Conto
Popular”. Era uma coletânea de contos de várias partes do mundo. Viajei muito
nos textos! Que encantamento! Que leitura
instigante!
E meu primeiro livro proibido? Devo dizer que não era literatura erótica.
Tratava-se de “Os Homens do Kremlin”. Com uma foice e martelo na capa, o livro
era proibidíssimo, quando eu o conseguira de forma clandestina. Ele teria sido
dado a um primo meu. Descoberto pela família, estava em um monte de lixo para
ser queimado. Eu o salvei! (Herói de livro existe?) Com muito medo, e muito
garoto, escondi no meio das minhas roupas. Lugar de difícil acesso: um
guarda-roupa de menino! Insuspeito, entre tanta bagunça, lá foi seu abrigo
secreto! Li com misto de entusiasmo e medo de ser preso ou morto pela Ditadura
Militar. Mas um sinistro aconteceu com a obra: ela sumiu, misteriosamente. Não
sei se foi isso, mas certa vez num vacilo meu minha mãe deu de cara com o livro.
Queima imediatamente, deu a ordem de mãe aflita. Prometi a ela, mas não cumpri.
Salvei de novo o livro. Descumpri uma ordem, mas por uma causa nobre. Se foi
minha mãe quem pôs fim a ele, compreendo sua preocupação e seu gesto! Tempos
depois, bem depois, consegui adquirir outro exemplar, num sebo no Rio de
Janeiro.
Como um livro pode mudar sua vida? Como pode mudar seu jeito de ver o mundo?
Geralmente livros teológicos ou de autoajuda o fazem. Mais raramente, os de
cunho filosófico. No meu caso foi um pequeno livro, quase de bolso. “O que é
dialética” de Leandro Konder, uma leitura seminal sobre a dialética. Depois
dele não fui mais o mesmo nem o rio mais o mesmo rio, parafraseando Eráclito, o
obscuro. Interessante que à época era acadêmico de Farmácia na UFPA. Mas entre
químicas, físicas e biologias, enfurnava- me nas alas de baixo da biblioteca
daquela universidade. Meus colegas na ala de cima, com as ciências hards
ficavam sem entender porque me viam nas prateleiras, ora das ciências históricas
e sociais, ora das artes e literatura.
Agora um
livro proibido de poesia erótica de leitura obrigatória: “O Amor Natural” de
Carlos Drummond de Andrade. Livro proibido de leitura obrigatória? Um paradoxo?
Não! É mais um marketing aos bons leitores. Uma obra publicada postumamente,
porque Drummond não reuniu coragem em vida para lançá-lo. Fácil de se entender,
basta lembrar a imagem cândida do poeta maior e o poder dos seus textos
incendiários. Vale lembrar uma frase do poeta: “Sejamos pornográficos,
docemente pornográficos”. Também quero lembrar outra frase, essa de minha
autoria: “Todo poeta deve ser, no mínimo, um pouco maldito”. Essa com aquela,
abrem, como epígrafes, meu livro “Brilho de Fogo e outros poemas de amor”, com
textos sublimes, sensuais e eróticos, culpa do “Amor
Natural”.
E por falar
em livros escritos por mim, completei 11 títulos, na condição de autor e/ou
organizador das obras. São das mais variadas temáticas. Tem de ciência e
tecnologia, de gestão ambiental, de plantas medicinais, de fotografia, de
poemas, de história, entre outros. E outros novos já estão entrando no
prelo.
Aficionado
pelos livros acabei virando editor. Em formato de ONG, criamos uma editora,
Centro Genildo Batista, e já publicamos dois títulos. Sem fins de comércio e
lucro, ela é mais para poder viabilizar a edição de obras locais. Mas foi pelo
Instituto de Pesquisas cientificas e Tecnológicas do Amapá que publiquei os
primeiros títulos. O IEPA é uma referência no Estado em publicações
científicas.
Às vezes, gasto pouco tempo pensando o que seria de mim não fossem os livros que
li. Imagino que outra pessoa. Noutras vezes também imagino que poderia ser, quem
sabe, mais rico! Mas não sei se seria tão mais feliz comigo
mesmo.
Estamos às
vésperas da nossa primeira Feira do Livro do Amapá – FLAP. Por sorte, fui
convidado pela Cláudia Capibeiribe, Primeira Dama do Estado a fazer parte da
organização do evento. Sob o acompanhamento político dela, várias pessoas de
variadas instituições do Governo dão os encaminhamentos sempre difíceis de uma
primeira vez. Mas tudo anda bem. Afinal, tem uma coisa primordial para seu
sucesso: a vontade política de fazer uma feira. E nisso, o Governador Camilo
Capiberibe tem se empenhado bastante. É uma política pública de pouco apelo
eleitoral, é certo, mas de uma repercussão fundamental na vida e formação de
muitas pessoas, em especial, das nossas crianças.
Nesse
aspecto, volto ao que comecei falando: dos castanheiros da Reseva do Rio
Iratapuru. Lembram que falei de como estranhava um velho coletor de castanha
plantar novas castanheiras? Pois então, quero dizer que plantar a Feira do Livro
e a Política Estadual do Livro e Literatura hoje é pra quem tem a paciência da
colheita no futuro. Mas, enquanto os frutos não brotam e nem amadurecem, vamos
nos regozijando com a alegria da germinação, depois do brotar das primeiras
folhas, mais adiante com a beleza das mais sutil floração.
Enquanto os
frutos não chegam, entreguemo-nos à rega paciente e que o prazer sincero de
jardineiros nos entusiasme.
Para
terminar, vou às palavras de Bandeira: “Vi terras da minha
terra/ por outras terras andei/ mas o que ficou marcado/ no meu olhar fatigado/
foram terras que inventei. (Testamento)”
Feliz dia
do LIVRO.
Augusto
Oliveira
(Escritor, poeta, professor e leitor, autor, dentre outros, do livro de poemas "Brilho de Fogo")
Contatos com o autor:
oliv.augusto@uol.com.br
Augusto Oliveira no Barco que fica no Museu Sacaca Foto: Paulo Tarso barros - fev/2012 |
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