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15 de jan. de 2008

ARTIGO DO PROFESSOR PAULO NUNES

Neste artigo, o professor faz uma consistente reflexão sobre a fragmentação da literatura. Vale a pena ler.




Literatura Paraense Existe?

Paulo Nunes (1)

Os dois Josés — o Guilherme Castro e o Arthur Bogéa — que me perdoem, mas, hoje, sinceramente, não creio na existência de uma literatura paraense. Minha afirmação pode parecer contraditória aos olhos do leitor. Ainda mais vinda de uma pessoa que, juntamente com Josebel Akel Fares, Josse Fares e Rey Vinas, escreveu o Texto e Pretexto: experiência de educação contextualizada a partir da literatura feita por autores paraenses, livro didático adotado na disciplina Literatura Paraense, ministrada na rede municipal de ensino no ano de 1987, graças a um convênio firmado entre SEMEC e U.F.Pa. Pois aos que vêem em meu argumento uma contradição, considerem minha fundamentação.

A expressão literatura paraense, além de ser acanhada demais, fere a universalidade, princípio básico a qualquer manifestação que se deseje artística. Talvez o fato de aceitarmos esta denominação — literatura paraense — para a manifestação literária dos autores nascidos no Pará, signifique que caímos numa armadilha fácil, montada por aqueles que tentam perpetuar-nos como frutos de uma cultura exótica, regional, incapaz de difundir sentimentos universalistas.

Aproveitando-se disso, dirão os incautos: "Literatura menor!" (2). Será?
Ora, meu caro leitor, um poema como "Alma e Ritmo da Raça", hino à negritude, criado por Bruno de Menezes, é expressão tão-somente paraense? Os versos de "Chão d´Água II", do vigiense José Ildone, que aborda as angústias do pescador que envelhece e não pode mais ver/ter o rio, é sentimento exclusivamente dos ribeirinhos da Amazônia paraense? A fé que emana de "Senhora das Águas", poema pós-moderno de Salomão Larêdo, se restringe apenas às nossas fronteiras? Será que as angústias existenciais de Alfredo e dona Amélia, personagens do marajoara Dalcídio Jurandir, ficam circunscritas à esfera do regional? Evidentemente que tanto os textos aqui listados quanto outros que aqui não foram relacionados, rompem os limites do meramente regional para se fazerem universais, tão universais quanto o sol, que nasce para todos, quanto a água dos mares, quanto o ar — poluído ou não — que respiramos. Isso tudo demonstra, penso, que a expressão literatura paraense tornou-se anacrônica. Estamos já bastante crescidinhos para aceitarmos fórmulas facilitadoras que, em nome da defesa do regional, põe-se a misturar palavras azedas que provocam estranhamento a olhos e ouvidos, rimas do tipo açaí X bacuri, vatapá X mapará, beiju X cupuaçu etc, etc.
Alguns poderão contra-argumentar, apontando minha posição como radical demais. Poderiam, assim, acusarem-me de oportunista, ou mesmo de ingrato; alguém que hoje "cospe no prato que comeu". Bem, penso que a "adjetivação pátria", "paraense", tão em moda para alguns, já teve seu tempo e espaço. Espaço que eu situaria historicamente até o início da década de 90, quando a redemocratização do Brasil já era realidade, e não mais corríamos o risco de um retrocesso político (portanto a educação precisava fazer-se desalienante). Daí que na SEMEC-Belém da década de 80, Josebel, Josse, Rey e eu, em conjunto com professores municipais, optamos por denominar a disciplina recém-criada de Literatura Paraense. Aquele momento político, é necessário que se diga, era demarcado por um clima de tensão e incertezas. E uma disciplina reveladora, de enfoque freiriano, poderia nos idos de 87/88, causar mal-estar (como de fato causou algum!) aos mais conservadores. Foi neste contexto que recebemos, em carta, o alerta de João Luís Lafetá. Ele nos dizia então: — Cuidado, o mar ainda não está para peixe!

Da década de 80 para cá, ficou-nos a necessidade, cada vez mais premente, de superar as fronteiras que a nós se impunham. Não nos restava outra ação senão a de buscarmos o limiar, a terceira margem. Afinal, somos amazônidas, sujeitos em incessante busca do entre-lugar do discurso amazônico na cultura nacional(3). Precisamos, hoje, mais do que nunca, deixar de pensar acanhadamente. Até mesmo porque se formos aplicar a denominação pátrio-adjetiva para as literaturas regionais, teremos uma superfragmentação da chamada Literatura Brasileira. Sob esta ótica fragmentária, pensemos em alguns nomes paradigmáticos. Carlos Drummond de Andrade, por alguns considerado nosso poeta maior, nesta ótica, seria um expoente da literatura mineira? E Manuel Bandeira faria parte da literatura pernambucana? Jorge de Lima seria estudado somente por alagoanos? Oswald de Andrade é exclusivamente paulista? Os gênios, Machado de Assis e Guimarães Rosa, seriam classificados como pertencentes, respectivamente, às literaturas carioca e mineira? Será que nossa expressão literária nacional sobreviveria diante de tão incisiva fragmentação?

Por essas e outras — embora sendo professor de Literatura da Amazônia —, tenho optado por uma expressão que considero mais conseqüente em se tratando de literatura da/sobre a nossa região: literatura brasileira de expressão amazônica. Afinal, está na hora de (como fizeram os primeiros modernistas) os demais brasis redescobrirem este Brasil que está ao norte, e é demarcado pela linha do Equador. E a literatura, penso, é mais que pretexto, ela é, sem trocadilhos, o passaporte. E que ela não seja somente paraense, seja brasileira, quiçá, universal!


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(1)Mestre em Letras pela UFPA; professor da Universidade da Amazônia, Belém-PA; autor, junto com Josse Fares, de Pedras de Encantaria (edUnama, Belém, 2000).

(2)Vale aqui lembrar a revista Sala de aula, edição 12, Victor Civita, São Paulo, de junho de 1992, que abordou, num equivocado artigo denominado “Produção de inegável valor documental”, a existência de “romances que encarnavam um regionalismo, menor, amante do típico, do exótico...” Pergunto: se o artigo fosse escrito hoje, o enfoque seria diferente?

(3)Ler Josse Fares em “Pássaro Junino: cordão e entre-lugar do discurso amazônico”, in Asas da Palavra n.º 7, dez./1997, EdUnama.

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A Respeito do artigo acima, meu confrade Hilton Mendonça, membro da Academia Arariense-vitoriense de Letras escreveu o seguinte comentário, que também foi enviado ao professor Paulo Nunes:

Ilustre Paulo, o texto nasceu da sua insatisfação com uma nomenclatura que
procurou particularizar uma parcela de um todo. Essa epígrafe literária te
parece inadequada, pois, a teu ver, o que a referida nomenclatura procura
abranger, nem existe(sinceramente não creio na existência de uma literatura
paraense, disseste). Ainda colho da abordagem que a literatura não
comportaria divisão. Bom, é lógico que é perfeitamente possível
particularizar, regionalizar, dividir qualquer coisa para dar a ela uma cara
especial, própria, ou melhor, para fazer a diferença. Muitas totalidades vão
se quebrando para serem melhor apresentadas e entendidas. Estatuir como
paraense certos escritos literários lavrados por um grupo de pessoas não
significa que tal literatura não se insira na espécie maior, a brasileira.
Essa designação - Literatura Paraense - apenas delimita, restringe,
regionaliza, uma manifestação literária feita no Brasil, por alguns autores
de um Estado. Lembre-se do fenômeno recente da municipallização das
academias de letras. Antes, havia só a ABL. Depois, criaram as Estaduais e,
agora, as municipais. Qualquer município brasileiro pode reunir vinte
pessoas meritosas e criar uma academia. Muitas coisas estão aí para serem
divididas mesmo. Até a literatura.

Hilton Mendonça - São Luis - MA

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