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6 de fev. de 2006

PROSA E POESIA DE LUÍS CARLOS MAIA

LEIAM A SEGUIR ALGUNS TEXTOS DE LUÍS CARLOS MAIA CARDOZO.
Luís Carlos é licenciado em Letras pela UNIFAP, funcionário do Tribunal de Justiça do Amapá e integrante da APES. Já teve conto premiado pela UFPA e foi um dos vencedores do I Festival Amapaense de Poesia. Embora seja um escritor de grande sensibilidade, é muito tímido e dificilmente publica seus textos. Mas agora resolvemos solicitar a sua colaboração para o nosso blog. Se você quiser pode ligar ou enviar e-mail para o Luís.
Contatos com o Autor: (96) 9905 0551 e 32517968 – luismaiacardozo@yahoo.com.br



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A formiga

Uma formiguinha carregava um enorme grão de feijão sobre um terreno arenoso. Ela não andava em linha reta. Fazia enormes curvas e, às vezes, voltava para o mesmo lugar. Parecia que não chegaria nunca ao seu destino. Eu, impaciente, buscava desvendar os fatos. Onde ela queria chegar? Tentei perguntar isso à formiguinha. Sem sucesso! Tentei dizer que ela estava andando em círculos. Sem sucesso! Coloquei a formiga em um lugar próximo de uns arbustos. Ela voltou para o terreno arenoso! Naquele instante, temia não conseguir intervir naquele acontecimento, naquela jornada não sei pra onde. A formiga parecia rir de mim. Matei a maldita. Não foi tão simples nem tão rápido quanto o ato de matar um inseto. Burra, teimosa ou queria mesmo me fazer de idiota, não sei. Mas eu queria que ela soubesse porque ia morrer. Peguei-a entre os dedos polegar e indicador. Apertei um pouquinho. Senti a aflição em seus olhos esbugalhados. O grão de feijão, alimento e tesouro, mantinha ainda preso em suas garras. Fui apertando mais um pouco enquanto exigia-lhe explicação sobre aquele ato tão covarde de omitir informações sobre para onde levaria aquele grão de feijão provavelmente saqueado do meu armário. Gesticulava e mostrava com as patas para várias direções. Isso me deixou muito mais nervoso, puto mesmo! Apertei com mais força, muita força. E gritava em seus ouvidos “eu vou te matar sua desgraçada”. Queria que ela soubesse o quanto foi cruel comigo minutos atrás. Queria que ela ficasse com medo e resolvesse levar o grão de feijão diretamente ao seu destino, à sua toca, revelando seu esconderijo. Sabe lá quantos milhares de grãos ela escondia ali. Por isso ficava dando voltas enquanto me via por perto. Deveria se chamar INImiga e não FORmiga. Minha raiva aumentava à medida que especulava sobre os atos da bandida. Coloquei-a no chão. Ela, meio tonta, olhava para mim como se estivesse pensando em proferir palavras chulas e só não o fazia para não perder seu precioso grão de feijão. Marquei no relógio. Ou o esconderijo ou apenas um minuto de vida. Nada! Tempo esgotado. Paciência esgotada. Peguei a monstrenga de volta entre os dedos e apertei com toda a força. Vi despencar o grão de feijão. Tive o prazer de ver lágrimas saindo dos seus olhos. E uma sensação de euforia quando vi seus últimos tremores de patas num aceno melancólico de perdão por tamanha crueldade praticada a um ser humano. Morta, mas não ainda totalmente satisfeito, esfreguei-a lentamente com o indicador contra a calçada e vi, agora com a sensação de que tinha finalmente feito justiça, pedaços de patas, de presas, de antenas... pedaços miudinhos de formiga a manchar o concreto.
Tranqüilamente, peguei o grão de feijão e plantei no quintal da casa. Nasceu sem nenhum problema. Às vezes, fico observando de longe o vai-e-vem de algumas formigas às proximidades do pé de feijão. Elas parecem tramar alguma coisa contra mim. Estou sempre alerta. Formigas são seres capazes de praticar crueldades inimagináveis!
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Aos quarenta
Aos dez anos eu não tinha infância, nem pai presente, nem alimento, nem futuro... mas eu sonhava!
Aos vinte ainda sentia-me criança, buscava a vida em toda sua plenitude... colhia o melhor de tudo, e ainda sonhava!
Aos trinta anos fui crescendo, enraizando, fazendo amigos e realizando alguns dos meus sonhos... e mesmo assim continuava sonhando!
Hoje, aos quarenta, vez em quando paro no meio do caminho e olho para trás: a vida foi um sonho; também olho para os lados e vejo quanta coisa vale a pena! Faço tentativas de olhar para frente, mas não consigo vislumbrar exatamente o que quero. Viver, agora, é como mergulhar, parágrafo a parágrafo, num emocionante livro, o meu livro, com personagens, enredo e algumas páginas em branco nas quais vou rabiscando sempre que o livro me permite e, curiosamente e continuamente, lendo, vivendo, errando, reaprendendo, acertando, reescrevendo, para chegar ao final da história.
E mesmo parecendo arriscado demais, ainda sonho!
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LETÍCIA
Era um ancião rechonchudo debruçado sobre um livro, correndo o rosto sobre as linhas num ritmo freqüente. E tão próximo estava o livro do seu rosto que chegava a tocá-lo com a ponta do nariz. De vez em quando interrompia a leitura para uma espiadela à televisão. Mas logo voltava ao livro.
Sobre a mesa coberta com toalha verde, palitos de dente formavam o nome de alguém provavelmente querido: Letícia. Não o vi dispor os palitos para formar a palavra. Cheguei atrasado! Escrevia à mesa ao lado e, vez por outra, eu olhava em interrogações sobre quem seria Letícia. Fui flagrado olhando e, desconfiado esqueci a investigação visual e compenetrei-me no meu próprio imaginário. Provavelmente tratava-se de seu grande amor, sua companheira da vida inteira. Era óbvio! E se não fosse isso? Por que não esclarecer logo? Poderia ser uma filha, uma neta, ou até sua cadela de estimação! Talvez alguém muito querido que perdeu num trágico acidente de trânsito. Deve sofrer em todas as mesas em que encontra palitos de dente, pensei. Letícia! Quanto amor interrompido tragicamente!
Minha imaginação fértil produzia suposições das mais diversas possíveis sobre Letícia. Desde a esposa infiel que o trocou por outro, e ele, coitado, sofre desde o acontecido, até a pobre filha menor abandonada a perambular pelas ruas. E a cada suposição aumentava ainda mais meu sofrimento.
Os óculos sobre a mesma toalha verde da mesa chamaram-me, de repente, a atenção. Por que ele não põe os óculos para ler? Mas logo esqueci os óculos. Meu interesse era mesmo pela Letícia. Letícia! Letícia! Letícia, quem seria?
Meu tio chorava quase todos os dias por causa de uma filha que morreu afogada. Seria Letícia uma filha do velho que teria morrido afogada? Um naufrágio! Meu Deus! Coitada da Letícia!
De repente me dei conta que estava escrevendo, sentado à mesa, ao lado de um ancião que lia velozmente um livro no restaurante de um navio. Pensar em naufrágio estando em um navio nos tornam menos imaginativos e menos catastróficos. Ficar sofrendo por causa da Letícia não mais parecia uma boa idéia. Fui direto:
- Quem é Letícia, meu Senhor? Perguntei apontando à palavra de palitos sobre a mesa. A resposta veio tão seca que me senti ridículo.
- Não sei! Quando cheguei já estava escrito isto aqui!
- Ah Letícia! Saí rapidamente dali.
Na manhã seguinte voltei a pensar em Letícia. Não me sentia mais ridículo ante a resposta do ancião. Nem acreditava mais naquela resposta. Ele poderia ter mentido. Poderia ser algo muito mais sério do que eu pensava. Poderia, Letícia, ser a amada da qual, num momento de raiva, ele ceifou a vida! Ou, talvez, alguém que ele deixou em casa doente até morrer, enquanto farreava e jogava com os amigos nos bares da cidade. Velho safado!
O café era servido no mesmo local da noite anterior. O ancião entrou no recinto. Nem sequer olhou para a mesa na qual estava escrito em palitos de dente o nome da Letícia. Talvez, tenha me visto e esteja disfarçando, imaginei. Ou talvez ele não tenha mesmo nada a ver com ela. E quem teria então? Naquele momento, para mim, todos os homens eram suspeitos e todas as mulheres que entravam no restaurante pareciam ser Letícias. Não suportava me sentir assim. Um assunto qualquer eu recorreria a um livro, a uma enciclopédia, e resolveria. Mas essa situação era mesmo complicada. Se não sabia nem quem era o autor da palavra de palitos, como saber quem era a própria Letícia? Poderia ser qualquer pessoa e estar em qualquer lugar do mundo! E se eu pedisse ao Comandante do navio que anunciasse no sistema de som sobre a misteriosa Letícia? Não! Seria perigoso. Ela poderia ser mulher de um temível traficante que, ao ouvir alguém querendo saber de sua doce Letícia, pensaria ser um amante. Já pensou! Eu, amante da Letícia mulher de traficante! É melhor esquecer essa idéia.
Repentinamente adentra no recinto mais uma mulher com cara de Letícia. Sentou-se à mesma mesa do velho safado. É ela! Com certeza é ela! Fiquei espreitando de longe. Misturei lágrimas, risos e tremor de mãos quando vi aquela mulher dispondo palitos de dente sobre a mesa. Comecei a suar. Não cabia em mim de ansiedade. Atirei-me sobre aquela mulher:
- Letícia! Letiiiiiicia!
Ela tentou escapar. Não conseguiu porque usei toda a minha força para prendê-la nos braços. Começou a gritar por socorro. De repente o restaurante do navio estava cheio de gente, uma confusão só. Algumas pessoas me puxavam para um lado e para outro. Letícia estava desesperada. Eu já pensava que seria herói, por prender a bandida da Letícia, quando alguém me acertou na cabeça.
Fiquei hospitalizado quase um mês e enfrentei problemas processuais que pareciam não ter fim. Quando tudo ficou resolvido e eu já tentava esquecer aquela constrangedora história, aconteceu um fato novo. Ao sair do meu local de trabalho, fui almoçar em um restaurante que vendia comida por quilo. Servi-me e ao circular entre as mesas procurando um lugar vago para sentar-me, deparei-me com aquela maldita palavra escrita com palitos de dente: Letícia. Fiquei naquele local, parado, com o coração batendo forte, sem saber como agir. O tempo pareceu parar por uns minutos. Olhei atentamente todos que estavam almoçando, mas ninguém pareceu-me suspeito. Após muito pensar, tive uma idéia.
Sentei-me à mesa que ficava próximo da saída. Ia saindo a primeira mulher. Era magra e alta e tinha os cabelos castanhos e ondulados. – Oi Letícia! Cumprimentei-a envergonhadamente. Ela não disse nada. Sorriu e virou os olhos como se pensasse que eu era louco. – Não deve ser ela. Veio a próxima. Olá Letícia! Também não era a Letícia. E a todas que saíam eu cumprimentava. E todas riam ou diziam que eu estava enganado, pois não se chamavam Letícia. Restava apenas uma, sentada em uma mesa próximo da TV. Ela era morena clara, tinha cabelos pretos longos, não muito magra. Estava bem vestida. Fiquei esperando ela sair. Não saía. Minha ansiedade me fazia olhá-la a todo instante. Ela era linda, rosto bem feito, olhos amendoados e claros, lábios carnudos e bem vermelhos. Em uma das minhas olhadas ela percebeu que eu a observava e também começou a olhar-me. Ficamos nos olhando por alguns minutos. Quando resolvi levantar e ir até onde ela estava, ela também levantou-se. Fiquei parado em pé ao lado da mesa na qual eu estava. Ela também ficou parada lá onde estava. Resolvi sentar-me novamente. Ela também se sentou. Naquele momento eu estava mais angustiado e mais tenso. Não conseguia prever os acontecimentos. Não sabia o que fazer nem como agir. Fui ao banheiro.
Depois de alguns minutos saí do banheiro. A bela mulher estava próxima da saída. Resolvi sair. Ao passar por ela fui saudado:
- Oi Armando!
Sorri e saí meio sem jeito. De repente me senti um personagem da história de outra pessoa. A situação estava ficando confusa. Meu nome não era Armando. Naquele momento soube exatamente como se sentiram aquelas mulheres quando as tratei por Letícia. Andei alguns metros tentando entender melhor a situação. Resolvi voltar ao restaurante mas a provável Letícia não estava mais lá. Saí andando pela Rua Cândido Mendes. Era véspera do Natal de 1975. As lojas estavam cheias de pessoas: Pessoas que compravam presentes... pessoas que conversavam... pessoas que passavam apressadas e que, algumas vezes, sorriam. Muitas pessoas... todas muito iguais como se não tivessem rostos... todas tão indiferentes como se nem estivessem ali. Naquele instante, senti um vazio interior, um silêncio que doía na alma e me entristecia... Estava no meio da multidão, sozinho! Continuei andando por aquela rua. E de repente, meu coração acelerou ao avistar, de muito longe, um rosto no meio da multidão anônima. Um rosto lindo de mulher. Um rosto que se aproximava como um barco à vela cortando as águas daquele mar de gente: - Letícia! – murmurei de olhos fechados e deixei que ela invadisse minha vida. Hoje me chamo Armando. Ela, que se chamava Marta, agora é Letícia. Estamos sempre juntos. Ela é um anjo em minha vida. Todas as vezes que vou a um restaurante, escrevo seu nome com palitos de dente. E sempre que um curioso fica espreitando de longe, querendo saber quem é Letícia, procuro rapidamente esclarecer, para evitar qualquer tipo de problema. Porque as pessoas tendem a ser meio paranóicas mesmo!
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Por aquelas ruas

Quando passo por aquelas ruas...
São tantas pernas quase todas nuas
São tantas falas cheias de amarguras
... sei como sentem ódio as esquinas!

Quando passo por aqueles becos...
São tantos olhos a expor seus medos
São tantas casas cheias de defeitos
... sei como as avenidas tratam mal a becos e ruas!

E quando os becos cortam as ruas cheias de gente...
E quando as ruas atropelam as avenidas cheias de carro...
E quando as avenidas se misturam às ruas e aos becos da cidade
e no outro dia os jornais enxugam o sangue do asfalto
e a vida segue normalmente...
... não mais sei de nada!

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Para te mandar beijo


Vou construir uma nave
Que leve a ti um beijo grandão
Uma nave bem bela, passarinho
Uma nave bem rápida, avião
Que te chegue sem choque, poema
Que encoste em teu rosto, carinho
Que te conte uma história, felicidade
Que te faça dormir, carneirinho

E que quando acordares, estalado
Tu não saibas dizer, na verdade
Se um beijo de alguém reviveste
Ou se foi só um beijo sonhado

E se mesmo assim, meu esforço
Ainda não te sentires beijado
Só me resta entrar num envelope
E pedir ao vizinho do lado
Que me cole e me envie a ti
Selado, carimbado e registrado

E então, ao abrires a carta
De uma vez, pularei nos teus braços
E antes que finjas que é sonho
E tentes acordar assustado
Te beijarei, meu destinatário.

Um comentário:

Danielle Dias disse...

Olá....sou aluna de Letras do IESAP e estou interessada em traduzir pra o Inglês a Obra do Paulo Ronaldo, o conto "Liberdade", e queria saber se vocês me liberam a autorização. Para formalizar o meu trabalho, além disso vou me debruçar numa análise literária. Vou apresentar o trabalho final num evento da faculdade...no Sesc dia 03, e preciso ter isso em mãos o mais rápido possível.
entrem em contato: pelo meu email: dani_unifap2006@yahoo.com.br